sábado, 12 de junho de 2010

Amar bonito







"Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha parado para pensar:
Aprendam a fazer bonito o seu amor.
Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito.
Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar bonito.
Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender...
Tenho visto muito amor por aí.
Amores:
bravios,
gigantescos,
profundos,
sinceros,
cheios de entrega, doacção e dádiva.
Mas esbarram na dificuldade de se tornar bonitos.
Apenas isso:
bonitos,
belos ou embelezados,
tratados com carinho,
cuidado e atenção.
Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras.

Entretanto,
esses amores que são verdadeiros e eternos,
de repente,
ficam ameaçados e tão somente porque não sabem ser bonitos:
cobram,
exigem,
rotinizam,
descuidam,
reclamam,
deixam de compreender,
necessitam mais do que oferecem,
precisam mais do que atendem,
enchem-se de razões.
Sim, de razões.

Ter razão é o maior perigo no amor.
Quem tem razão sente-se no direito de reivindicar,
de exigir justiça,
equidade,
sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão.

Nem queira!!!

Ter razão é um perigo: em geral, enfeia um amor, pois é invocado com justiça, mas na hora errada.

Amar bonito é saber a hora de ter razão.
Ponha a mão na consciência.
Você tem certeza de que está fazendo o seu amor bonito?

De que está tirando do gesto,
da acção,
da reacção,
do olhar,
da saudade,
da alegria,
do encontro,
da dor,
do desencontro,
a maior beleza possível?

Talvez não.

Cheio ou cheia de razões, você separa do amor apenas aquilo que é exigido pelas partes necessitadas,
quando talvez dele devesse pouco esperar,
para valorizar melhor tudo de bom que, de vez em quando ele pode trazer.

Quem espera mais do que isso sofre e, sofrendo, deixa de amar bonito.
Sofrendo, deixa de ser alegre, igual, irmão, criança.

E, sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.
Não tema o romantismo. Derrube as barreiras da opinião alheia.

Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama.

Saia cantando e olhe alegre.

Recomenda-se: ficar envergonhada/o, ser apanhada/o em flagrante gostando, não se cansar de olhar e olhar, não atrapalhar a convivência com teorizações, adiar sempre se possível com beijos 'aquela conversa importante que precisamos ter', arquivar, se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida.

Para quem ama, toda atenção é sempre pouca.
Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser toda a atenção possível.
Quem ama bonito não gasta tempo dessa atenção cobrando a que deixou de ter.

Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida como criança de nariz encostado na vitrine cheia de brinquedos dos nossos sonhos); não teorize sobre o amor, AME!

Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.

Não tenha medo exactamente de tudo o que você teme, como:
a sinceridade,
abrir o coração,
contar a verdade do tamanho do amor que sente;
não dar certo e depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito).

Deite fora todas as jogadas,
estratégias,
golpes,
espertezas,
atitudes sabiamente eficazes (não é sábio ser sabido):
seja apenas você no auge de sua emoção e carência, exactamente aquele que a vida impede de ser.

Seja você cantando desafinado, mas todas as manhãs.

Dizendo disparates, mas criando sempre.
Sentindo o coração bater como no tempo do Natal infantil.

Revivendo os caminhos que percorreu em criança.
Sem medo de dizer eu quero, eu estou com vontade.

Deixe o seu amor ser a mais verdadeira expressão de tudo que você é.
Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto.
Não se preocupe mais com ele e suas definições.

Cuide agora da forma do amor:

Cuide da voz.

Cuide da fala.

Cuide do cuidado.

Cuide de você.

Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz."

domingo, 6 de junho de 2010

Fragmentos de mim mesma....



49.
a juíza das minhas loucuras
é severa demais pra me inocentar

não cobra depoimentos
nem sopra os ferimentos da tortura

simplesmente decreta pra minha culpa
prisão domiciliar



54.
me recuso a dar informações
sobre o paradeiro das minhas idéias malditas
elas se escondem bem demais

só eu sei o caminho só eu seiem quem dói mais




108.
acho que não sou daqui
paro em sinal vermelho
observo os prazos de validade
bato na porta antes de entrar
sei ler, escrever
digo obrigado, com licença
telefono se digo que vou ligar
renovo o passaporte
não engano no troco
até aí tudo bem

mas não sou daqui
também
porque não gosto de samba
de carnaval, de chimarrão
prefiro tênis ao futebol
não sou querida, me atrevo
a cometer duas vezes o mesmo erro
não sou de turma
a cerveja me enjoa
prefiro o inverno
e não me entrego
sem recibo




187.
silêncio, estou escrevendo
e não sei se destas palavras
sairá como mágica um poema
uma reportagem ou um recado
não sei em que se transformará
este grupo de sujeitos e advérbios
que buscam aqui reunidos
decifrar todos os meus medos
silêncio, estou me escutando
e quem fala são meus dedos




213.
não gosto de barcos
nem nada que flutue devagar
me faz falta uma esquina
uma rua para atravessar
uma escada, uma curva em frente
uma pista, um sinal de trânsito
me faz falta direção constante
um trilho, uma ponte, um meio de chegar
barcos ficam à deriva
e eu nunca afundo no mesmo lugar




218.
tristeza é quando chove
quando está calor demais
quando o corpo dói
e os olhos pesam
tristeza é quando se dorme pouco
quando a voz sai fraca
quando as palavras cessam
e o corpo desobedece
tristeza é quando não se acha graça
quando não se sente fome
quando qualquer bobagem
nos faz chorar
tristeza é quando parece
que não vai acabar




220.
minha bisavó reclamava que minha avó
era muito tímida
minha avó pressionou minha mãe a ser
menos cética
minha mãe me educou para ser bem lúcida
e eu espero que minhas filhas fujam desse
cárcere
que é passar a vida transferindo dívidas




234.
simplificar
não exagerar os sentimentos
arriscar
não seguir os mandamentos
vivenciar
não mitificar os pensamentos
assimilar
não condecorar os ferimentos
reinventar
não copiar aos sete ventos
amamentar
não aprisionar os seus rebentos

uma mulher adulta
só conhece bons momentos




235.
de mim, que tanto falam
quero que reste
o que calei
que tanto rezam por mim
quero que fique
o que pequei
de mim, que tanto sabem
quero que saibam
que não sei

(Martha Medeiros)